sábado, 1 de dezembro de 2012

Síndrome de Retirada em Tomadores Crônicos de Corticosteróides

Revista da Associação Médica Brasileira

Print version ISSN 0104-4230

Rev. Assoc. Med. Bras. vol.44 n.1 São Paulo Jan./Mar. 1998

http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42301998000100014

Artigo de Revisão
Efeitos sistêmicos e síndrome de retirada em tomadores crônicos de corticosteróides
S. Faiçal, M.H. Uehara
Disciplina de Endocrinologia ¾ Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Paulo ¾ Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP.
 
 
 
SÍNDROME DE RETIRADA
 
Duas situações são extremamente delicadas ao manusearmos os corticosteróides: seus efeitos colaterais e a chamada "síndrome de retirada", consistindo em sinais e sintomas decorrentes da diminuição ou retirada total do corticóide.

A introdução da corticoterapia implica, durante seu uso, na ocorrência dos efeitos colaterais acima descritos; entretanto, sua suspensão é, também, potencialmente danosa devido à possibilidade de dois eventos: a síndrome de retirada e a insuficiência adrenocortical secundária (supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal — HHA). A primeira, descrita por Amatruda44, caracteriza-se por anorexia, letargia, náuseas, artralgias, fraqueza, perda de peso, descamação da pele e febre, sendo marcada pela integridade do eixo HHA, estabelecido por vários índices, além de se documentar a ausência de recrudescência da doença de base.

Os mecanismos pelos quais a síndrome de retirada ocorre ainda são desconhecidos; entretanto, duas hipóteses são possíveis: 1) variação da concentração sérica devido à mudança de altas para baixas doses de glicocorticóide, induzindo sintomatologia semelhante à insuficiência adrenal secundária; ou 2) relativo grau de resistência aos glicocorticóides cursando com status hipocortisolêmico.

A classificação em quatro subtipos, para síndrome de retirada, foi proposta por Dixon45, sendo caracterizadas, respectivamente, como:

Tipo I — evidências clínicas, bioquímicas e hormonais da supressão do eixo HHA, demonstradas de maneira rigorosa;

Tipo II — recrudescência dos sintomas da doença de base pela qual a corticoterapia foi instalada, com normal resposta do eixo HHA;

Tipo III — presença dos sintomas característicos da síndrome, porém com resposta normal do eixo HHA e sem recrudescência da doença de base e cujos sintomas melhoram com o retorno da administração do glicocorticóide acima da dose fisiológica (25mg de cortisona ou equivalente). Esse tipo pode ser definido como dependência, seja esta física ou psicológica;

Tipo IV — presença de demonstrada insuficiência do eixo HHA, porém sem sintomas da síndrome ou da doença de base.

Desse modo, a situação do paciente no momento da retirada do corticosteróide será extrememente variável, dependendo do esquema e da duração da terapia medicamentosa.

RECUPERAÇÃO DO EIXO HIPOTÁLAMO-HIPÓFISE-ADRENAL
 
A supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal em pacientes em corticoterapia é bem estabelecida; anormalidades nos níveis basais de cortisol sérico e em resposta ao estímulo com ACTH exógeno46 ou ao stress, como a hipoglicemia, já têm sido demonstradas. Melby47 já dizia: "supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal é um dos mais prevalentes e potencialmente danosos riscos induzidos pela corticoterapia". Entretanto, correlação entre parâmetros clínicos e hormonais da supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal não tem sido demonstrada regularmente, enquanto que a administração de glicocorticóides por longo período mostra uma variação importante em suprimir a resposta do eixo HHA48. Assim, essa variabilidade entre pacientes, no que diz respeito à recuperação do eixo, após a suspensão do medicamento, é dependente da dose e do tempo (vários estudos já documentaram esse fenômeno).

Livanou49 demonstrou que a maioria dos pacientes que utilizavam 7,5 a 10mg/dia de prednisona ou equivalente possuía níveis normais de cortisol basal após um mês de suspensão da medicação; no entanto, a resposta do eixo ao stress (por exemplo, hipoglicemia induzida por insulina) só estaria recuperada totalmente após um ano de suspensão do hormônio; demonstrou, ainda, que pacientes recebendo menos de 7,5mg/dia de prednisona ou equivalente tinham níveis de cortisol basal e recuperação do eixo ao stress mais rápido que os que recebiam mais de 10mg/dia, principalmente naqueles em uso inferior a 18 meses.

Outros estudos em pacientes fazendo uso de 50 a 60mg/dia de prednisona por cinco dias50 ou 40mg/dia por 21 dias51 demonstraram uma transitória supressão do eixo HHA, com recuperação total em 5 a 10 dias após a interrupção da droga.

Graber52 avaliou, prospectivamente, a recuperação do eixo HHA em tomadores crônicos e demonstrou que: um mês após suspensão do corticóide, os níveis séricos de cortisol basal e pós-estímulo com ACTH exógeno eram subnormais, assim como os níveis de ACTH endógeno; após 2 a 5 meses, os níveis de ACTH eram normais ou até elevados, com níveis de cortisol basal e pós-estímulo com ACTH exógeno permanecendo abaixo dos valores normais; após 6 a 9 meses, o nível de cortisol basal era normal, enquanto que a resposta ao ACTH exógeno ainda permanecia subnormal; após 9 meses, tanto os níveis basal e pós-estímulo com ACTH eram normais.

Os pacientes tomando glicocorticóide em dias alternados ou em dose única têm níveis suprimidos de cortisol basal, porém possuem resposta normal ou quase normal ao stress.

Portanto, os corticosteróides, amplamente utilizados por médicos generalistas e de diferentes especialidades, são drogas com alto potencial de morbi-mortalidade, desde que não adequadamente manuseados. Por isso, sempre ao introduzir esses medicamentos, devemos ter em mente os seguintes princípios: utilizá-los o menor tempo possível, existência de outra alternativa terapêutica menos deletéria, associação com outra droga que diminua as doses necessárias dos corticosteróides, o esquema em dias alternados é viável como opção e, por último, prevenir efeitos colaterais se o indivíduo já é suscetível.
 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Gaunt R. History of adrenal cortex. In Greep RO, Astwood EB. Handbookof physiology: Endocrinology. Washington, DC, Americam Physiological Society, 1975, section 7, vol 6, p 1. [ Links ]2. Baxter JD, Tyrrel JB. The adrenal cortex. In Felig P, Baxter JD, Broadus AE et al. Endocrinology and metabolism. New York, McGraw-Hill Book, 1988; 511-650. [ Links ]3. Funder JW, Pearce PT, Smith R et al. Mineralocorticoid action: target tissue specificity is enzyme, not receptor, mediated. Science 1988; 242: 583-5. [ Links ]4. Tyrrel JB, Baxter JD. Glucocorticoid therapy. In Felig P, Baxter JD, Broadus AE et al. Endocrinology and Metabolism. New York, McGraw-Hill Book, 1988; 788-817. [ Links ]5. Tsay SY, Carlstedt-Duke J, Weigel NL et al. Molecular interactions of steroid hormone receptor with its enhancer element: evidence for receptor dimer formatiom. Cell 1988; 55: 361-9. [ Links ]6. Gustavson LE, Benet LZ. Pharmacokinetics of natural and synthetic glucocorticoids. In Anderson DC, Winter JSD. The adrenal cortex. Stoneham, Mass, Butterworth Publishers, 1985; 235-79. [ Links ]7. Ellis EF. Corticosteroid regimens in pediatric pratice. Hosp Pract 1984; 19:143-51. [ Links ]8. Schurmeyer TH, Tsokos GC, Avgerinos PC et al. Pituitary-adrenal responsiveness to corticotropin-realising hormone in patients receiving chronic, alternate day glucocorticoid therapy. J Clin Endocrinol Metab 1985; 61: 22-7. [ Links ]9. Baxter JD. Glucocorticoid hormone action. In Gill GN. Pharmacology of adrenal cortical hormones. Oxford, Pergamon, 1979; 67. [ Links ]10. Exton JH. Regulation of gluconeogenesis by glucocorticoids. In Baxter JD, Rousseau GG. Glucocorticoid hormone action. New York, Springer-Verlag, 1979; 535. [ Links ]11. Lenzen S, Bailey CJ. Thyroid hormones, gonadal and adrenocortical steroids and the function of the islets of Langerhans. Endocrinol Rev 1984; 5: 411. [ Links ]12. Fain JN. Inhibition of glucose transport in fat cells and activation of lipolysis by glucocorticoids. In Baxter JD, Rousseau GG. Glucocorticoid hormone action. New York, Springer-Verlag, 1979; 7. [ Links ]13. Taskinen M-R, Nikkila EA, Pelkonen R, Sane T. Plasma liporpoteins, lipolytic enzymes, and very low density lipoprotein triglyceride turnover in Cushing's syndrome. J Clin Endocrinol Metab 1983; 57: 619. [ Links ]14. Baxter JD. Mechanisms of glucocorticoid inhibition of growth. Kidney Int 1978; 14: 330. [ Links ]15. Loeb JN. Corticosteroids and growth. N Engl J Med 1976; 295: 547. [ Links ]16. Lukert BP, Raisz LR. Glucorticoid-induced osteoporosis: pathogenesis and management. Ann Intern Med 1990; 112: 352-64. [ Links ]17. Hahn TJ, Halstead LR, Strates B, Imbimbo B, Baram DT. Comparison of subacute effects of oxazacort and prednisolone on mineral metabolism in man. Calcif Tissue Int 1980; 30: 109-15. [ Links ]18. Reid IR, Ibbertson HK. Evidence for decreased tubular reabsorption of calcium in glucocorticoid treated asthmatics. Hormone Res 1987; 27: 200-4. [ Links ]19. Delorme AC, Danan JL, Mathieu H. Biochemical evidence for the presence of two vitamin D dependent calcium-binding proteins in mouse kidney. Biochem Chem 1993; 258: 1.878-84. [ Links ]20. Meunier PJ, Bressot C. Endocrine influences on bone cells and bone remodeling evaluated by clinical histomorphometry. In Parsons JA (ed). Endocrinology of calcium metabolism. New York, Raven Press, 1982; 445-65. [ Links ]21. Reid IR, Katz JM, Ibbertson HK, Gray DH. The effects of hydrocortisone, parathyroid hormone, and the bisphosphonate, APD, on bone resorption in neonatal mouse calvaria. Calcif Tissue Int 1986; 38: 38-43. [ Links ]22. Gronowicz G, McCarthy MB, Woodiel F, Raisz LG. Effects of corticosterone and parathyroid hormone on formation and resorption in cultured fetal rat parietal bones [Abstract] Am Soc Bone Min Res 1988; 3(suppl 1): 5.114.
23. Dempster DW, Arlot MA, Meunier PJ. Mean wall thickness and formation periods of trabecular bone packets in corticosteroid-induced osteroporosis. Calcif Tissue Int 1983; 35: 410-7. [ Links ]24. Sarakura M, Takebe K, Nakagowa S. Inhibition of luteinizing hormone secretion induced by synthetic LRH by long term treatment with glucocorticoids in human subjects. J Clin Endocrinol Metab 1975; 40: 774-9. [ Links ]25. Crilly RG, Cawood M, Marshall DH, Nordin BEC. Hormonal status in normal, osteoporotic and corticosteroid treated post menopausal women. JR Soc Med 1978; 71: 733-6. [ Links ]26. Hsueh AJ, Erickson GF. Glucocorticoid inhibition of FSH induced oestrogen production in cultured rat granulosa cells. Steroids 1978; 32: 639-48. [ Links ]27. Gardner DG, Hane S, Trachewsky D, Schenk D, Baxter JD. Atrial natriuretic peptide mRNA is regulated by glucocorticoids in vivo. Biochem Biophys Res Commun 1986; 139: 1.047. [ Links ]28. Freiberg JM, Kinsella J, Sacktor B. Glucocorticoids increase the Na-H exchange and decrease the Na gradient-dependent phosphate-uptake systems in renal brush border membrane vesicles. Proc Natl Acad Sci USA 1982; 79: 4.932 [ Links ]29. Nichols NR, McNally M, Campbell JH, Funder JW. Overlapping but not identical protein synthetic domains in cardiovascular cells in response to glucocorticoid hormones. Hypertension 1984; 2: 663. [ Links ]30. Saruta T, Suzuki H, Handa M et al. Multiple factors contribute to the pathogenesis of hypertension in Cushing's syndrome. J Clin Endocrinol Metab 1986; 52: 275. [ Links ]31. Friedland J, Setton C, Silvestein E. Angiotensin converting enzyme induction by steroids in alveolar macrophages in culture. Science 1977; 197: 44. [ Links ]32. Parillo JE, Fauci AS. Mechanisms of glucocorticoid action on immune processes. Annu Rev Pharmacol Toxicol 1979; 19: 179. [ Links ]33. Craddock CG. Corticosteroid-induced lymphopenia, immunosuppression and body defense. Ann Intern Med 1978; 88: 546. [ Links ]34. Munck A, Guyre PM, Holbrook NJ. Physiological functions of glucocorticoids in stress and their relation to pharmacological actions. Endocrinol Rev 1984; 5 :25. [ Links ]35. Fahey JV, Guyre PM, Munck A. Mechanisms of anti-inflammatory actions of glucocorticoids. In Weissman G. Advances in inflammatory research, vol 2. New York, Raven, 1981; p 21. [ Links ]36. Altman LC, Hill JS, Hairfield WM, Mullarkey MF. Effects of corticosteroids on eosinophil chemotaxis and adherence. J Clin Invest 1981; 67: 28. [ Links ]37. Vreeburg JTM, de Greef WJ, Ooms MP, van Wouw P, Wever RFA. Effects of adrenocorticotropin and corticosterone on the negative feedback action of testosterone in the adult male rat. Endocrinology 1984; 115: 977. [ Links ]38. Simpson ER, Ackerman GE, Smith ME, Mendelson CR. Estrogen formation in stromal cells of adipose tissue of womem: indution by glucocorticosteroids. Proc Natl Acad Sci USA 1981; 78: 5.690. [ Links ]39. Messer J, Sacks HS. Association of adrenocorticosteroids therapy and ulcer disease. N Engl J Med 1983; 309; 21. [ Links ]40. Polansky JR, Weinreb RM. Anti-inflammatory agents: steroids as anti-inflammatory agents. In Sears ML. Handbook of experimental pharmacology. New York, Springer-Verlag, vol 69, 1984; 459. [ Links ]41. Manabe S, Bucala R, Cerami A. Nonenzymatic addition of glucocorticoids to lens proteins in steroid-induced catarats. J Clin Invest 1984; 74: 1.803. [ Links ]42. Long JB, Holaday JW. Blood-brain barrier: endogenus modulation by adrenalcortical function. Science 1985; 27: 1.580. [ Links ]43. Gilin JC, Jacobs LS, Fram DH, Snyder F. Acute effect of a glucocorticoid on normal human sleep. Nature 1972; 237: 398. [ Links ]44. Amatruda Jr TT, Hurst MM, D'Esopo ND Certain endocrine and metabolic facets of the steroid withdrawal syndrome. J Clin Endocrinol Metab 1965; 25:1.207. [ Links ]45. Dixon RB, Christy NP. On the various forms of corticosteroid withdrawal syndrome. Am J Med 1980; 68: 224. [ Links ]46. Faiçal S, Kater CE. Standardization and clinical applications of the rapid and prolonged ACTH stimulation tests in patients with primary and secondary adrenal insufficiency. Rev Ass Med Brasil 1991; 37: 1.321-8. [ Links ]47. Melby JC. Sistemic corticosteroid therapy: pharmacology and endocrinologic considerations. Ann Intern Med 1974; 81: 505. [ Links ]48. Christy NP. The clinical significance of pituitary-adrenal suppression by exogenous corticosteroids. J Chronic Dis 1973; 26: 261. [ Links ]49. Livanou T, Ferriman D, James VHT. Recovery of hipothalamo-pituitary-adrenal function after corticosteroid therapy. Lancet 1967; 2: 856-9. [ Links ]50. Streck WF, Lockwood DH. Pituitary recovery following short-term supression with corticosteroids. Am J Med 1979; 66: 910. [ Links ]51. Webb J, Clarck TSH. Recovery of plasma corticotrophin and cortisol levels after a three-week course of prednisolone. Thorax 1981; 36: 22-4. [ Links ]52. Graber AL, Ney RL, Nicholson WE et al. Natural history of pituitary-adrenal recovery following long-term suppression with corticosteroids. J Clin Endocrinol Metab 1965; 25: 11-6 [ Links ]

Nenhum comentário:

Postar um comentário